quarta-feira, 30 de maio de 2012

Caminhando pela Savana

 A Norte da capital, passando por Guadalupe e mantendo um olho na estrada e outro na paisagem, poder-se-á encontrar um novo habitat. A Savana não é muito vasta mas é o suficiente para começar a pensar em leões, girafas e elefantes... que não existem.

Os exploradores.



 O objectivo do dia de hoje era o de encontrar e marcar no GPS um percurso circular que começa-se e acaba-se na Roça da Praia das Conchas (que eu desconhecia mas é enorme e perfeitamente digna de visita!) e passá-se pela Lagoa Azul e pela zona de savana. Como o caminho na zona de savana não existia, tivemos que "inventar" um pouco.
 À parte de todas as flores e sementes pegajosas que insistiam em subir pelos calções acima, correu tudo bem.
 Quando o percurso for aprovado, deverá ser alvo de umas poucas melhorias para prevenir a erosão e para garantir a travessia segura de turistas acompanhados por guias.











Não tem elefantes mas tem abelhas enormes!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Chegou o novo bolseiro

 Tal como o Morpheus do Matrix, também eu andava a anunciar que viria um novo bolseiro. "Mas quando é que será?" Perguntavam-me. "Eu não sei... mas ele virá..." A verdade é que hoje foi o dia, ele veio e está cá. O Fábio é o novo bolseiro do projecto e estará por cá até depois de eu me ir embora.
 Antes de fechar a porta de casa parei e olhei em volta. Não sei porquê mas queria ver o que ele veria quando cá entrasse, tentando de alguma forma imaginar o que ele sentiria.
 Enquanto conduzia para o aeroporto olhava para as pessoas sentadas nos passeios, o caos da praça de taxis, as jacas à venda no cruzamento da marginal, tudo aquilo que já faz parte de mim e que não consigo desaprender para me voltar a surpreender. "Que é que ele pensará quando vir que ninguém respeita as passadeiras? Ou que os motoqueiros passeiam os seus capacetes no braço para o usarem unicamente quando há rumores de polícia à solta..." Não sei, mas ele já cá está e do pouco que vi, está a dar-se bem neste pequeno mundo caótico.

 Com ele chegou também uma boa surpresa, uma GoPro que se tudo correr bem começará já a trabalhar mal me atire para dentro de água (ou para um caminho mais interessante na floresta... ou a conduzir para o Sul... as possibilidades parecem-me ilimitadas!)
A sala cá de casa - ADORO a distorção que a lente cria!



segunda-feira, 28 de maio de 2012

Santa Teresa


Neves lá ao fundo. É sempre a subir até Santa Teresa.
 Santa Teresa é uma comunidade que fica ao lado de Neves (a uns 15min a Norte da capital) só que para lá chegar há duas opções. Subir de carro por um caminho verdadeiramente escorregadio, daqueles com lama alisada pela chuva e pintada de verde pelas algas. Aquela lama que adora atirar carros pelo penhasco a baixo, basicamente. A vista por este caminho é a melhor, mas também existe uma segunda opção que é ir a pé. 

Canoa a ser talhada a partir de um tronco de Ocá.
 O caminho ao início é bem bonito e até pode ser que encontrem coisas invulgares só que a certa altura a inclinação dispara e o suor começa a escorrer. Como uma cascata escorre. Quem escolher este caminho pode muito bem preparar-se que no final estará tão seco como se tivesse caído numa piscina, mas tudo valerá a pena porque lá em cima espera-vos esta bela comunidade.  



Vista do pico vulcânico que sombreia a comunidade ao pôr do Sol.
 Eu sei que já me estou a tornar repetitivo mas Santa Teresa está cheia de gente simpática a começar logo pelo presidente da associação que é das pessoas mais preocupadas e atenciosas que se podem encontrar por aqui. Ele simplesmente não descansa enquanto nós não tivermos o nosso trabalho terminado.
 Como em todas as comunidades (e provavelmente tudo nesta vida) nós recebemos o que damos e quanto mais sorrio para estas pessoas e brinco com elas, mais elas se abrem comigo e me aceitam - e os miúdos mexem no meu cabelo. Acho que esta proximidade resultou numa das minhas maiores vitórias até hoje: Consegui que uma senhora jogasse xadrez. Na verdade a dificuldade não é ensinar, ela aprendeu tão ou mais depressa que qualquer homem. O verdadeiro desafio é fazê-la sentir-se à vontade o tempo suficiente para explicar as regras do jogo e depois convencê-la a aplicar o que aprendeu em frente a toda a gente. Ah granda Mana, muitos parabéns!

 Da segunda vez que vim a esta comunidade estávamos nós em Fevereiro e eu reuni o pessoal todo e fiz uma curta apresentação onde um dos temas era a origem vulcânica das ilhas de São Tomé e Príncipe. A certa altura na explicação eu estou a desenhar  uns bonecos num flip-chart com a intenção de explicar o que é um vulcão mas como vi que a mensagem não estava a chegar, parei, virei-me para trás, e apontei para isto: 
Vulcão bebé que está ao fundo de Santa Teresa.
  Amanhã espera-me mais uma madrugada passada sobretudo encostado numa das colunas do Aeroporto enquanto corro o seguinte programa básico no meu cérebro:

1- É branco? S/N
2- S: Já o vi antes? S/N
3- S: É o Fábio? S/N
4- S: Grunhe um chamamento primitivo que te destaque do meio da multidão.

 É por isto que hoje não fiquei a dormir na comunidade e desci o percurso todo acompanhado destes três bravos. Se a subida é íngreme, a descida não poderia ser muito diferente e enquanto eu ia rebolando encosta a baixo umas quantas vezes, estes três tipos fizeram o percurso todo num passo que muitos considerariam de corrida e ainda por cima com as sacas de carvão na cabeça!


sábado, 26 de maio de 2012

São Nicolau

 Provavelmente a cascata mais conhecida de São Tomé é a Cascata de São Nicolau. Para lá chegar é só preciso subir, passar a cidade da Trindade, continuar em frente, Batepá, mais um pouco, Monte Café, a estrada é má, eu sei, mas só mais um esforço, Nova Moka e pronto, é ali ao virar da esquina. Não é a maior cascata mas é a maior que está mais perto da cidade e por isso é a que quase toda a gente visita. 

 Há uns bons meses nasceu uma placa ao lado da cascata como um cogumelo que prometia remodelações moderníssimas. Começou-se a fortalecer a ponte que está em frente, meteu-se uma mini barragem lá em baixo para travar as águas, as ideias eram realmente muito optimistas mas qualquer pessoa que vá lá hoje em dia vai encontrar tudo abandonado e pronto a cair novamente. Disseram-me que acabou o dinheiro do projecto e pronto, assim ficou. Só sei que sempre que lá passo vejo peças a desaparecerem e imagino que se aquilo não continuar brevemente, a estação das chuvas ainda vai mandar a ponte ao chão... o que seria uma pena porque assim não haveria forma rápida de se chegar a uma comunidade maravilhosa que está pouco acima e que ninguém conhece!

 Qualquer caminhante irá ser bem recebido pela casa do patrão (acima) antes de chegar a São Nicolau. Como quase todas as casas coloniais de São Tomé, esta também foi ocupada. Digo ocupada porque as pessoas usam a casa sem viverem lá, se é que me faço entender.

 São Nicolau está cheio de gente imensamente simpática por isso entrem e cumprimentem-nas que elas não mordem (e os cães também não, aquilo é só conversa). Num dos corredores há este belo jardinzinho que num raro dia de sol, brilha mesmo com fantásticas cores.



 Num belo dia há bastantes meses atrás bebi água saída desta mesma torneira. "É boa", diziam eles e perante a minha desconfiança beberam primeiro que eu. Quando enchi o cantil vi que tinha lá umas coisinhas flutuantes mas pronto, não podia ser assim tão mau porque afinal estávamos no topo das montanhas e toda a gente da comunidade bebia daquela água e ali estavam eles, rijos e cheios de força. Bebi e fiquei com diarreia durante uma semana.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Fujam! É a Formiga Aliança!

 Desde que me lembro de chegar a São Tomé que oiço falar de formiga aliança. "São más, são terríveis, dão dores, coças e ficas pior, metem-se na roupa... enfim, existe uma mística enorme à volta destas formigas e hoje aconteceu um episódio tão bom que tenho que aproveitar.
 Estávamos parados e sentados na parte de trás da pickup do Bastien (um dos senhores por trás da Marapa) juntamente com toda a tralha e machins e mochilas e botins e sacos e capas quando ele regressa de uma árvore com um apanhado de orquídeas.
 "Põe aqui ao lado se não ainda se pisa." Disse eu, arranjando espaço entre as pernas, mas quando se meteu o emaranhado de raízes e terra em cima do saco do pão, só vi umas coisinhas a cairem, pareciam poeira, mas poeira viva... era um ninho de formiga aliança ali no meio de nós! Bem... homens experientes que andam no mato armados com machin voaram do carro que nem meninas ao som do alarme! "Tem formiga aliança!?" Era tudo a pegar nas mochilas e a salvá-las como se pudessem pegar fogo! "Tira a capa, vê aí os botins!" Gritavam outros assim de longe, sem se quererem arriscar a aproximar.
 Pois, o assunto é mesmo sério e adorava ter uma fotografia para mostrar o tamanho absurdo destes bichos... são minúsculos! Mas ferram com uma violência dos diabos! O veneno não é para brincadeiras, parece uma queimadura e claro que quando mordem, a primeira reacção é ir lá esfregar... "mas, que ideia, tão, mááá"... só irrita mais a pele, que entretanto começa a arder mais e mais por causa do suor e as sacaninhas aproveitam a confusão para fugir e continuar o seu rasto de destruição pelas tuas costas desprotegidas!
 Bem, no final tivemos que tirar tudo e varrer a terra do carro com folhas de fruteira, não podia ficar ali nada. As orquídeas "foram para o lixo" e só quando a área foi considerada segura novamente é que os nossos rabos voltaram para os seus postos.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Sobrevivendo às estradas de São Tomé

 Conduzir nas estradas de São Tomé é uma experiência tão única e especial que acho que devia ser divulgada como desporto radical. Como quem anuncia bungee jumping, e avisa de antemão que o elástico está um pouco velho. Passo a explicar:

Buracos
 Apesar da melhoria incrível na qualidade das estradas que se está a ver hoje em dia, ainda existem uns autênticos troços lunares espalhados por aí, principalmente nas estradas que entram a fundo na ilha. Os buracos são tantos e tão grandes e estão dispostos de tal forma engenhosa que parece que alguém planeou a sua localização de forma a maximizar o número de carros afectados. Claro que o processo de formação de buracos pode só por si explicar porque é que eles estão dispostos desta forma.
 Sempre que se forma um buraco grande, os carros vão evitá-lo por isso vão todos passar a pisar a mesma parte da estrada - o que cria um novo buraco. Evitar um buraco apenas cria outro buraco maior até que se chega ao ponto em que a estrada está tão destruída que temos que medir rapidamente a olho o buraco menos fundo e ir por lá!

Falta de marcação na estrada
 Não existem linhas pintadas a meio da estrada para separar as faixas por isso não é raro acontecer um fenómeno que parece saído de um filme de acção! Estou muito bem a acelerar numa recta toda esburacada e lá ao fundo vem um carro igualmente lunático. Os buracos de ambos os lados forçam-me a ir para o meio (se não destruo-o o carro todo) e acontece o mesmo ao outro carro que vem em sentido contrário! Frente a frente! Lindo, vamos morrer! Até que ou eu ou ele ganhamos algum juízo (ou medo) e fugimos cada um para a nossa faixa imaginária. Isto normalmente é feito com tal mestria que os carros passam a centímetros uns dos outros.

Animais na estrada
 Porcos, cães, galinhas e cabras podem atravessar a estrada de repente e sem qualquer aviso só "para ver se 'tavas atento" e claro que as pessoas não são muito diferentes. O pior são os bichos indecisos que mudam subitamente de opinião porque afinal lembraram-se que querem voltar para o outro lado da estrada. São esses que pregam os maiores cagaços.

Luzes desligadas
 Não é raro encontrar aquilo a que eu chamo motas fantasma, ou seja, motas que vêm a descer com as luzes desligadas (para poupar bateria) e com o motor desligado (para poupar gasolina). Como podem imaginar, são um perigo do caraças porque não fazem barulho nenhum e à noite, sem candeeiros nem nada do género, são verdadeiramente invisíveis. Falo das motas mas carros zarolhos ou sem nenhum farol também vão aparecendo por aí. Giro giro é quando é de noite e eles estão estacionados e só têm um farol por isso parece que são uma mota mas quando se vai a ver é um carro e só uma guinada mais ágil é que nos salva a pele!

Cinto de segurança
 Qual cinto de segurança? Pois é, eu usava no início, todo responsável e tal, mas a verdade é que ninguém usa, a polícia não quer saber e ao fim de um bocado esquece-mo-nos que é para o nosso próprio bem. O facto de que o cinto do banco ao lado do condutor ter saído cá para fora com uma facilidade assustadora também não me trás muita confiança. Claro que não usar cinto faz com que a condução seja bastante mais orgânica, não estamos presos ao banco, fazer as curvas numa estrada esburacada é como guinar num cavalo.

Prioridade
 Esta acho que é realmente interessante e posso falar com confiança porque já lhe dediquei bastante tempo. A prioridade num cruzamento poderá ser obtida usando uma equação semelhante à que se segue. Prioridade negativa indica que será o outro veículo que seguirá primeiro.

P = x - 2(volume*) + velocidade*
* do veículo com quem eu poderei vir a bater se avançar.
 O x é um grande mistério.
 Se ele vem pela direita ou não é pouco relevante.





segunda-feira, 21 de maio de 2012

Vento no Deserto (Livro)

Deixo hoje aqui uma curta passagem do meu livro:

"Os livros de História já mencionavam a Guerra da Água como a primeira iniciada pela falta de um recurso básico. Todos sabiam que as taxas de importação do GTN tinham sido a causa principal, criando uma pressão económica que os povos Saarianos mais pobres não conseguiram suportar. O que ninguém sabia era quem estava a ganhar a guerra já que diariamente decorriam batalhas sem nome entre rebeldes e o Exército da Coligação Subsaariana. De um lado, desconhecidos armados até aos dentes de coragem, astúcia e conhecimento. Do outro, soldados frios e cegos criados pela Engenom para pilotar ciborgues de última geração construídos pela Biomech e financiados pelo inesgotável Fundo de Defesa e Estabilidade da União Africana.
Durante uma das incontáveis batalhas que ocorriam frequentemente no centro de aldeias desertas, quatro estranhos refugiavam-se no que parecia ter sido um mercado mas agora não era mais que um cemitério de bancadas flutuando num mar de areia. Os homens rezavam de olhos fechados, protegendo a cabeça, abrigados por aí, enquanto lá fora o trovejar furioso dos disparos parecia aproximar-se cada vez mais. Por entre passadas estrondosas ouvia-se o choro de súplicas desesperadas. Cada um pedia apenas para sobreviver mais um dia… só mais um dia… até que parou. Vento, areia e janelas a bater compunham a música do pós-guerra. E parecia que tinha vindo para ficar por isso os homens arriscaram abrir os olhos para espreitar lentamente para fora do esconderijo. “Já parou?” Perguntavam. “Já acabou?”. A única luz que entrava naquele espaço sombrio era a dos finos raios que rasgavam o tecto. O silêncio… Até que tudo explodiu! …O tecto foi arrancado. Eles ficaram cegos com o clarão do Sol. Estavam expostos na rua. Não conseguiam ouvir por causa do zumbido. Mas por entre a poeira distinguiram uma silhueta monstruosa ali com eles. Um gigantesco ciborgue com vinte metros de altura estava de costas e começou a disparar todos os projécteis que tinha no seu arsenal. Bombas, balas, mísseis e granadas voavam num único rugido contínuo de luz e fumo enquanto lasers azuis traçavam o ar e destruíam automaticamente tudo o que vinha na sua direcção. O ciborgue era um Uca, os homens conheciam-nos bem, tinham combatido aquelas criaturas indestrutíveis todos os dias nos últimos meses até não aguentarem mais ver os seus companheiros morrer. O ar à volta da aldeia incendiou-se quando a barragem de mísseis dos rebeldes foi aniquilada pelos lasers e nessa altura o ciborgue colossal recuou e afastou as suas seis patas para ganhar ainda mais estabilidade. Antecipando o que se seguiria, todos correram para o mais longe que conseguiam. O pouco que restava do mercado desapareceu no instante em que o Uca activou o canhão rei. Rasgando o céu num uivo sinistro, o projéctil massivo criou uma explosão tão grande que todas as sombras da aldeia ficaram indecisas entre quem deviam obedecer. Quando o Uca começou a caminhar novamente, deixando para trás um mar de ruínas fumegantes, tudo dava a crer que o vencedor tinha sido decidido, mas foi aí que uma coluna de mísseis desceu dos céus directamente por cima do ciborgue. Sempre que os lasers destruíam um míssil, havia outro que furava a explosão que ele havia deixado e conseguia aproximar-se mais um pouco. Isto continuou até que o sétimo míssil deu o golpe de graça ao sistema automático de defesa do Uca e sem dar tempo para respirar, um bando de mísseis seguiu-o na retaguarda, não era possível contá-los, e a chuva caiu sobre o ciborgue com uma fúria divina. As explosões rugiram em uníssono durante o que pareceu uma eternidade enquanto o chão tremia de medo face ao seu poder.
Brok, Tiel, Volken e Garo estavam refugiados dentro da mesquita quando voltaram a ser tentados pelo silêncio. Pânico e cansaço era o que estava espelhado na cara suja de cada um deles. Respiravam fundo enquanto sentiam a audição regressar. Como animais desprovidos de fala, eles levantaram-se, lentamente, olhando para a cara uns dos outros e sem abrir a boca, caminharam até à porta, olharam com desconfiança para o exterior e saíram para a rua."


Ainda não sei se esta ideia se vai inserir bem no contexto geral da história do livro mas certamente que espero que sim porque adorei escrevê-la e sempre que a relei-o, arrepio-me com a forma como saiu.

domingo, 20 de maio de 2012

Abrindo pombos 2

 Hoje foi um daqueles dias e como achei este post demasiado "politicamente correcto" para o meu gosto (e para o que realmente se passa), achei que devia rever o tema. Não haverá fotografias visuais mas tentarei o meu melhor para mostrar fotografias literárias do processo que é abrir pombos mortos e analisar a sua dieta. Talvez seja melhor não lerem isto ou voltarem mais tarde se comeram recentemente...    vá lá, a sério...                   ...não? Depois não digam que não avisei...!

 O primeiro contacto é sempre o mesmo, tirar um sem número de formas com penas de um saco preto das compras. Ao início parecem bem (ainda que mortos), tudo parece estar onde devia estar.
 Pesa-se e tal, até aqui tudo bem, mas quando chega a altura de medir a asa, cauda e bico é que as coisas podem começar a ficar mais... vermelhas. Asas penduradas pelos ligamentos, patas partidas no osso, tripas a sair por onde o chumbo entrou, as penas todas coladas com sangue coagulado, venha o diabo e escolha.
 Eventualmente chega a parte de depenar o bicho porque com o casaco não dá para ver a gordura nem para abrir o papo como deve de ser. Esta parte também é bastante má porque normalmente quando se puxam as penas, vem tudo o resto atrás, pele e a carne por baixo, então se o bicho estiver todo furado, só não vem o esqueleto. Há qualquer coisa verdadeiramente nojenta no som de pele a rasgar com um puxão mais forte.
 A certa altura será preciso fazer um golpezinho estilo Sweeney Todd e enfiar na entrada o tubo para espremer a pasta lá para dentro. Como muitas vezes os bichos são furados na zona do pescoço, não é invulgar a pasta vir toda ensanguentada, claro. De qualquer forma há sempre um fio de baba a sair do frasco no final e como a pasta tende a entupir à entrada, é preciso enfiar o dedo lá dentro e bater com o frasco na mesa para a convencer a descer.
 A certa altura também é preciso apanhar o cocó do bicho e o método é bastante semelhante ao usado para o papo. Espetar um tubo e espremer. Às vezes vem seco, outras vezes trás um visco amarelado que esse sim, tem um cheiro especialmente mau.

 Não, ainda não acabei. Na verdade só vamos a meio porque quando se regressa a casa falta analisar tudo o que foi recolhido.

 Tirar tudo o que estava nos frasquinhos, identificar, contar, pesar. Se for feito no próprio dia o cheiro nem é muito mau mas quando o "conteúdo" teve oportunidade de ir para o frigorífico (ou congelador) e sair novamente, aí sim, aromas indescritíveis formam-se dentro dos frascos. Cada um é uma experiência inteiramente única que no seu conjunto, e ao fim de várias horas, dão verdadeiramente a volta à barriga. E depois dos papos falta ver o cocó.
 Há bastante tempo, um grande professor meu alertou-nos que Ecologia envolvia quase sempre mexer no cocó dos bichos. Bolas, como ele tinha razão... basicamente a próxima hora é passada a espalhar cocó dos bichos em caixas de petri para ver se encontram-se sementes inteiras que poderiam ter sido dispersadas caso o bicho ainda voasse. Só para dar uma ideia de como este processo pode ser desesperante, acabei de processar 30 céssias e só encontrei 2 sementes de figo - coisinhas amarelas microscópicas. No final de espalhar o cocó pela caixa de petri uso a etiqueta que lá vinha como quem usaria papel higiénico e vai tudo para o lixo.

 Tudo isto parece muito mau, sem dúvida, mas acreditem que é um passeio no parque comparado com o que se fazia antes. Acho que nunca cheirei nada tão mau como quando abri e espremi cá para fora toda a papa verde que estava nos intestinos de pombos descongelados... (talvez aquela fuinha de BCV tenha sido pior... mas não por muito...) e depois as ténias que saem lá de dentro... eram tantas que pareciam entupir e preencher totalmente o intestino. Como raio é que o bicho vive assim? Ver ténias gigantes e mortas a saírem de um intestino mínimo e o cheiro de tudo aquilo, sim, é de trazer vómitos aos mais resistentes...

 Se no final deste post sentem-se com um nó na garganta, pouco apetite e talvez uma vontade de lavar as mãos, então consegui transmitir o que eu próprio estou a sentir agora.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Até à próxima, Christoph!

 O Christoph foi-se embora hoje. Ao vê-lo arrumar as coisas parecia que também eu ia viajar um pouco e sair daqui. Porque no fundo o que é viajar se não uma mudança na nossa vida. Ele foi-se embora e certamente que houve uma mudança. Se alguma coisa pode ser dita, a casa parece bem mais vazia e triste do que eu me lembrava. Esteve cá apenas um mês mas parece que foi tão mais... o que me vale é que daqui a uma semana vão chegar dois novos house-mates.
 Para não encher um post apenas com isto, fui escavar um pouco e desenterrei estas fotografias! Basicamente são seres que encontrei numa única ida a S. João dos Angolares.


Fêmea de Tomé-gagá (Tersiphone atrochalybeia) sentadinha no ninho. Como tinha ovo e estava a chover, ficou lá a aturar-me muito mais do que seria normal. 

Um Búzio de Obô (Archachatina bicarinatacomo o da fotografia pode ficar tão grande como um punho fechado. É endémico e tudo leva a crer que está a desaparecer com uma granda pinta.

Um cogumelo que tinha tanto de espectacular como de mal-cheiroso.

Estávamos já a regressar quando vi estes pequenotes ali mesmo,  a descansar tranquilamente em cima de uma pedra. Para quem não sabe são Saltitões do lodo, uns peixinhos fascinantes que passam grande parte do tempo fora de água. Só tive mesmo pena que os malandros me vissem tão bem com aqueles olhos gigantes e por isso não me deixaram aproximar mais!



quinta-feira, 17 de maio de 2012

Santa Jenny

  Das dez comunidades que seguimos, Santa Jeny parece-me ser a mais porca. Facto facilmente compreensível se tomarmos em consideração a quantidade animalesca de porcos soltos que por lá andam. E cães também. E já agora gatos. Ah, e já disse que também tem patos e galinhas? Estava eu sentado num tronco tosco a ver uma senhora a varrer toda a porcaria e a pensar que o Zoo provavelmente caga aquilo a uma velocidade maior que a que ela consegue limpar. E o resultado estava ali à frente dos meus olhos, e do meu nariz.
Gabriel à espera que cheguem mais pessoas para fazer o inquérito.

 Apesar dessa particularidade, a comunidade está cheia de pequenas personalidades que se não existissem teriam certamente que ser inventadas. Pelo bem ou pelo mal. Existe uma senhora velhota que faz voz grossa para parecer má e está sempre a ameaçar as crianças de morte. “Eu mato você.” Relembra a senhora, sempre que tem oportunidade. Depois existe um homem especialmente agressivo e violento que parece estar também sempre chateado com tudo e todos mas que quando bebe é só amizade e generosidade. Claro que da última vez que lá estive este mesmo senhor andou a brincar com o machin para cima do vizinho por isso não sei bem o que pensar dele… Depois há o Sérgio, sempre com um sorriso contagiante, e o Admin a provocar-me para confrontos de xadrez, e o Jaime a fazer-se passar por mau e a dizer que lhe prometi cinco contos para bebermos grogue os dois (o que lá acabou por acontecer – a maldita coisa sabe mesmo mal). Existe também um rapazinho que está sempre no mesmo lugar, sempre deitado no chão, sempre torto e infeliz. Ele nasceu com uma deficiência que não sei nomear mas basicamente é muito magrinho e as pernas não dobram para onde deviam. Queria fotografá-lo, ou apenas o olhar dele, como se isso o pudesse fazer voar um pouco para fora daquele chão… mas nunca tive coragem para isso. Trago-o na minha memória e na vossa imaginação.

 Ao jantar houve ambá, ou seja, cada um trouxe o que tinha e comemos todos juntos, uns por cima dos outros. Maldito peixe fumado absurdamente picante… mas ao menos a fruta pão até era docinha… quando regressei ao amoque encontrei o malandro a meter água que nem um barco mal feito. E o chato é que só reparei nisto quando já estava descalço e bem deitado. “Saio… não saio… não saio…saio...olha que bonito, recomeçou a chover… saio… sim, saio!” Uns quantos nós molhados e feitos às cegas depois já estava eu de volta ao meu ninho baloiçante.

De manhã houve mais contagem de passarada por entre bocejos e também alguma patinagem artística na lama. Acho que ainda está para nascer quem me vença nessa modalidade.


 E depois da passarada vem o mata-bicho onde é preciso aquecer água para juntar leite em pó. Há qualquer coisa que se perdeu quando metemos gás em nossas casas mas que de certa forma pode ser recuperado nas lareiras que alguns têm na sala. Refiro-me ao prazer de acender fogo, de merecer o calor e a luz que ele nos dá. Soprar e levantar as cinzas todas pelo ar, pequenos flocos brancos contra o tecto preto e chamuscado, os olhos a arder do fumo e rir por ter acontecido o mesmo à outra pessoa, usar o que estiver à mão para tentar atear nem que seja uma chama, as brasas a brilhar e a roer a madeira, soprar mais um pouco, um crepitar confortante… e … sim… mais um pouco, e… está quase...pronto. Fez-se fogo. Na altura disse ao Sérgio que não há este sentimento de vitória quando se acende o fogão lá de casa mas provavelmente ele trocaria esse sentimento por um pouco de gás natural em qualquer dia da semana.


Criançada a ir para a escola

terça-feira, 15 de maio de 2012

Encontra o teu caminho

 Regressámos inteiros de mais uma comunidade, desta vez de Água Sampaio. A comunidade fica longe mas vale a pena pela beleza do sítio e das pessoas que lá vivem e mais uma vez o xadrez voou para fora do saco directamente para dentro das cabeças de quem por mim passava. Ninguém escapava, até se chegou a jogar no assento de uma mota mais incauta.

Tirada através do vidro do carro. Choveu o dia inteiro.

 Da última vez que lá estivemos eu lembro-me perfeitamente de não ter dormido nada por causa de uma missa dos Adventistas do Sétimo Dia e de uma hiace que se fartou de buzinar para chamar e levar as pessoas para o mercado na cidade. Ambas as coisas aconteceram ainda de noite e bem perto das minhas orelhas. Mas desta vez dormi que nem uma rocha, um tronco, algo verdadeiramente inabalável. Não sei se foi do vinho de pacote que estivemos a beber à luz da vela ou se foi por estar todo enrolado no saco-cama estilo casulo mas não houve nada que me acordasse antes do despertador.
 A contagem de aves seguiu-se e aconteceu um par de coisas que me pareceu comporem uma boa metáfora para a vida:

   No início ainda via o Nity a apontar-me os perigos que ele encontrava pelo caminho mas à medida que eu ia vendo coisas que me prendiam o olhar fui ficando para trás para as fotografar.

Matemática elementar:
Bananeira + Nascer do Sol = Fotografia fácil. 

Quem é a jita mais linda, quem é? 
A pequena portou-se tão bem que até consegui
 mudar a objectiva e as definições todas
 com a outra mão.




























 Ele foi-se afastando e quando o primeiro cruzamento veio tive que recorrer às minhas skills para lhe encontrar o rasto.
 Caminho 1: Inclinado, super escorregadio mas parecia ter sido remexido.
 Comecei a subir mas como achei difícil de mais e ainda me restava tentar o outro caminho, desisti e voltei para trás.
 Caminho 2: Plano e relativamente fácil mas a certa altura deparei-me com uma teia de aranha enorme mesmo a meio. Se ele tivesse passado por lá, certamente que não a teria visto e tinha-a destruído.
 Regressado ao cruzamento vi que havia ainda uma terceira hipótese… ok, está na hora de soltar o meu uivo de Tarzan.
 – OI!!
.
.
.
 – … oi!! – Respondeu uma voz distante, pouco depois. Vinha de cima, do caminho mais difícil.
 – OI!? – (É mesmo por aqui?)
 – …Oi! – (Sim, podes vir.)
 E pronto, lá subi e emporcalhei-me todo mas encontrei o Nity no final.


 Pensamento: Devemos seguir sempre o nosso próprio caminho com os olhos bem abertos para as pistas que vão aparecendo. Se nos enganámos, não tem mal voltar para trás e tomar um novo caminho. Deste ponto de vista, o que é desistir? E no fim se estivermos perdidos devemos ter a coragem para mandar um grito de ajuda. Alguém por perto irá certamente ouvir, mas a resposta que virá não nos mostra o caminho, apenas pode apontar na direcção certa.





sábado, 12 de maio de 2012

Cultura e identidade Sãotomense

 Hoje fui a uma praia que me foi recomendada por um pescador. "Tem muito peixe", disse ele. "Vais gostar", disse ele. Bem, se fui à praia certa, então era uma bela porcaria. Havia lixo a flutuar e o fundo era um recente amontoado de blocos de pedra por isso não havia nada para ver. Um Taiwanês que por lá passou disse-me que a praia dantes era tão famosa que se pagava para entrar só que ela ficou naquele lindo estado porque as pessoas  andam a roubar areia para construção. Ao ver a erosão e o coral todo exposto depressa percebi o que ele queria dizer. Como entretanto começou a chover e queria postar alguma coisa hoje, acho que está na altura de escrever um post que já foi pensado há muito:

Pequenas particularidades da cultura Sãotomense que acho fascinantes:

  • As pessoas não entram simplesmente na casa de alguém e batem à porta. Em vez disso batem palmas do lado de fora e gritam pelo nome da pessoa com quem querem falar. A pessoa pode estar em casa mas se não as ouvir, elas vão-se embora.
  • A moeda mais pequena que existe é de 500 dobras mas por vezes aparecem preços que terminam em 200, 250, 251... e agora como é que se dá o troco? Arredonda-se e dá-se uma pastilha elástica ao comprador. As Gorila de mentol costumam ser muito usadas.
  • As pessoas não se despedem ao telemóvel. A conversa termina quase sempre inesperadamente com um "ya". Suspeito que seja uma forma consensual de fazer com que a pessoa que telefonou não gaste mais dinheiro.
  • Não é possível sair da capital de São Tomé e Príncipe sem ouvir crianças gritarem isto: "Doce! Doce! Doce!" Ou a outra variedade: "Branco! Doce! Doce!". Pergunto-me se alguma daquelas crianças alguma vez recebeu um doce desta forma e estudando a cara delas concluo que algumas dizem-no da mesma forma que podiam dizer "Olá!" ou "Bem-vindo!"
  • Nas zonas mais longe da cidade, se um adulto (ou alguém mais velho) estiver a passar e vir uma criança com um cesto de fruta (ou qualquer outra coisa barata e em número elevado) pode simplesmente pedir, tirar e levar. "Dá isso para mim."
  • Falo por experiência própria: Não é possível parar o carro à noite à beira da estrada sem que completos estranhos parem também eles o carro e venham perguntar se precisamos de ajuda. Na verdade muitas vezes nem perguntam e saem logo do carro, prontos para resolver qualquer problema.
  • Alguns homens mas especialmente as mulheres, conseguem capinar o mato que cresce na beira da estrada inclinando-se para a frente num ângulo que destruiria quaisquer costas que eu conheço. Juro que não compreendo como conseguem fazer aquilo por mais do que um minuto.
  • Toda a gente na cidade e alguns fora dela tratam brancos por "amigo". "O amigo não qué comprá jaca?".
  • As pessoas têm uma espécie de aversão a mato e plantas que possam servir de esconderijo a bichos, por mais inofensivos que eles possam ser. Este medo faz com que imensa gente (mulheres quase sempre) passem boa parte do seu dia a varrer a poeira em frente da casa. Nem folhas secas são permitidas.
  • Pode não se ter dinheiro para comprar comida mais cara mas certamente que se arranja forma de se ter algum aparelho a tocar música - isto é uma das coisas mais importantes na cultura Sãotomense e está presente quase sempre. 
  • Mais do que em qualquer outro lado onde já estive, os Sãotomenses queixam-se de falta de apoio da câmara, do governo, de países estrangeiros, do mundo inteiro. Esta falta de apoio é frequentemente usada como desculpa para não se fazer o que podia ter sido feito há muito tempo e pode reflectir-se em coisas tão simples como mandar um "call me" a alguém para lhe perguntar algo que é apenas do interesse de quem o mandou.
 E claro que quanto mais frases escrevo, mais sinto que me estou a esquecer de um Mundo merecedor de toda a atenção. Mas acho que isto já é uma boa introdução, depois tentarei completar a lista.

A praça de táxis a meio do dia é um local tão caótico que nem uma ambulância conseguiria passar.


quinta-feira, 10 de maio de 2012

Abrindo pombos

 Parte do projecto envolve recolher amostras de pombos caçados antes de eles serem vendidos a restaurantes ou particulares. Para se conseguir isto, costumo visitar o caçador na sua casinha.
 Durante o processo estou sempre com as mãos um pouco ensanguentadas ou viscosas e por isso nunca cheguei a fotografar estes lindos momentos mas com a ajuda do Christoph, aqui ficam uns registos.
O Nelson e eu. Estou com aquela linda cara porque na altura estava a tentar estimar a gordura dos bixos. Basicamente todas as Céssias são obesas mas há umas menos obesas que outras. São essas as que me lixam a vida.
 Costumamos pagar alguma coisa para ver os pombos caçados que normalmente são Rolas (Columba malherbii) mas também vemos Céssias (Treron sanctithomae). Em cima estão vinte e oito Céssias mas dentro da época de reprodução costumam ser caçadas em muito maior número.

 Depois de se tirarem todas as medições, depena-se a barriga e o peito para se poder estimar os níveis de gordura e para dar um golpezinho ligeiro na zona do papo e assim recolher as sementes. Procura-se assim compreender a variação anual da dieta dos pombos e relacionar essa informação com outras componentes do projecto como por exemplo qual o papel deles na dispersão de sementes. 

Plano aproximado de golpe no papo de uma rola.
 "Pau cabra outra vez? Já variavam!"


terça-feira, 8 de maio de 2012

Boa Esperança

 Passei o dia a fazer inquéritos e a ensinar o pessoal a jogar xadrez e como sabia que no dia seguinte era para começar a "batucada" (é o que se diz) bem cedo, não fiquei para a night e fui-me deitar no amoque (uma espécie de cama de rede mais tropical). O dito estava montado ali numas armações onde eles secam a roupa, por isso até estava perto das casas. Como já sei o que a casa gasta levei tampões para os ouvidos e lá adormeci... para acordar às 2h30!? Que frio pah! Não é normal! Pelo menos já não sabia o que era isso e fiquei muito indignado! Tinha os pés gelados, a cara também, mas algures entre os dois havia calor. As pernas ao léu também estavam geladas, percebi que o rádio do vizinho ainda estava ligado e o pior é que eu conhecia as músicas (não sei se isto é uma deficiência minha mas quando oiço uma música conhecida, ela começa a "tocar" sozinha na minha cabeça e eu preencho inconscientemente os bocados que não ouvi ou a letra que não se percebia... nada bom quando se está a tentar dormir!). Depois a maldita da torneira estava sempre a deitar água, os galos começaram a cantar, o saco de cama era curto de mais para eu me esconder todo lá dentro, enrolado não dava jeito e o amoque não parava de abanar, a almofada estava torta, as calças faziam um alto por baixo das costas, quanto mais me mexo e ajeito mais o sono foge... ah, olha, que engraçado, o despertador....  Já são 5h00!?

 Foi uma noite péssima mas não importou porque acordei para este espectáculo:

Boa Esperança, uma das comunidades contempladas no estudo.
 Diz-se que a luz do nascer do sol é a melhor para fotografar e eu tenho que concordar. Pinta tudo com uns tons quentes mas ao contrário do pôr-do-sol, tem uma luz mais limpa... se é que isto faz algum sentido.
 Acordamos tão cedo porque é preciso fazer contagens de passarada e isto faz com que vejamos sempre vezes as pessoas a irem para o trabalho.


Foto pelas costas - "mesmo à sacana.... mas por outro lado se lhe
 pedisse permissão também não tinha resultado. Sim, boa desculpa."

 Este rapaz vai tirar vinho de palma. A actividade consiste em subir a uma palmeira (frequentemente) altíssima, abrir um buraco junto à base das folhas, espetar lá um garrafão, e esperar. Repete-se o processo quantas vezes forem necessárias.









Casa do Alexandre, o Presidente da Associação e um
senhor extremamente simpático e sorridente que nos ajuda sempre
que lá vamos.
  Adoro a frente desta casa - talvez porque normalmente elas não estão pintadas. Há qualquer coisa nas casas das comunidades que me atrai em termos de beleza. Acho que deve ser por parecer que foram simplesmente "invadidas" pelas pessoas e depois elas foram acrescentando bocados de madeira ao exterior, sem nunca mexer na "tecnologia" antiga que existia quando a encontraram.
Fiquei verdadeiramente maravilhado com este achado. Não via uma coisa destas há tanto tempo e para quem não sabe, é um ferro de engomar alimentado a brasas em vez de electricidade. Disse ao Gabriel que aquilo que ali estava era uma relíquia do tempo dos Afonsinhos (mas acho que exagerei) ao que ele  respondeu que é assim que as pessoas que não têm electricidade fazem. 


sábado, 5 de maio de 2012

No Mercado Novo

  Acho o mercado novo um sítio verdadeiramente especial repleto de vida e beleza. No rés-do-chão estão incontáveis bancadas onde (sobretudo) mulheres fazem os possíveis por chamar a atenção de quem por lá passa. Gritam, silvam, dizem o preço, perguntam se queremos alguma coisa, sugerem até pratos que poderíamos cozinhar com os ingredientes que elas vendem. Basicamente só não vale agarrar.
Imaginem a barulheira.




 No primeiro andar está tudo o resto. Há coisas para a casa-de-banho, roupa, zonas de jogos, tecidos, sapatos, cabeleireiros, malas, enfim, se precisarem de alguma coisa, provavelmente poderão encontrá-la no mercado.

Tecidos com padrões africanos pendurados.

Eu queria apenas captar o caos deste corredor, com toda a roupa pendurada no tecto, mas estas duas pequerruchas apareceram do nada e fizeram-me ganhar o dia com os seus sorrisos.

Senhoras a trançar o cabelo.

Normalmente estão pelo menos uns dez miúdos à volta das televisões mas desta vez encontrei-as assim. Os jogos são quase sempre jogos de futebol.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Chamiço

O sítio está pensado para ser uma espécie de hotel mas acho
que ainda falta um pouco até essa visão ser concretizada. 
 Fomos ao Chamiço observar rolas e céssias e a certa altura (convenientemente quando já estávamos cansados) começou a chover por isso acabámos todos debaixo do telhado de uma casa que lá existe.

 Todo o espaço é imensamente bonito sob uma chuva intensa por isso aproveitei para me perder um pouco.





Adoro galos. Normalmente são muito bonitos com todas aquelas cores e acho imensa piada à forma
como andam tão direitos, parecem uns dinossaurozinhos cheios de carácter!
Começo a suspeitar que tenho uma atracção sobre-natural para meter a mão nas teias destas senhoras. Claro que normalmente não se vêem tão bem...



Ah, tanto amor...
Já disse que gosto de galos? Este deve ter sido modelo fotográfico noutra encarnação porque esperava que eu tira-se as fotografias antes de se mexer novamente. Ah e aquilo ao lado são vassouras.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Bemposta

A senhora Basilia pede-me sempre coisas mas até hoje tenho-me
 conseguido escapar com umas graçolas.
 "Não tenho arroz mas venho carregado de boa disposição." Disse-lhe
 eu. Sempre que a senhora se ri, eu sinto que já ganhei o dia.
 O regresso às dez comunidades começou hoje com a visita à Bemposta. Estava um tempo terrível, com chuva e frio como eu já me tinha esquecido mas isso só fez as pessoas estarem mais unidas e acolhedoras.
 Visitar uma comunidade é algo que eu recomendo vivamente mas é preciso ter atenção a um facto muito importante: Entrar numa comunidade em São Tomé é o mesmo que entrar directamente na sala quando uma família muito grande está presente. Deve ser feito com respeito e consideração.
 Felizmente que como já fiz isto umas quantas vezes já me habituei a todos os olhares que gritam "quem é o branco...?" mas lembro-me perfeitamente que da primeira vez só sentia que não era bem vindo e que me devia era ir embora e depressa!
 Acho que as regras de conduta são as mesmas que em qualquer lugar. Sejam bem-educados, falem abertamente com a primeira pessoa que virem à frente, nem que seja apenas para cumprimentar. Mandem abaixo aquela barreira desconfortável com um sonoro "Olá, tudo fixe?" e um grande sorriso e pronto, é tudo o que é preciso para serem bem recebidos em qualquer lado.

Zu, a mulher do Nity, um dos assistentes do projecto. Está à porta da cozinha e ao lado está o galinheiro.
  As comunidades em São Tomé oferecem algo que sinto que se está a perder completamente no nosso mundo. Não é uma coisa palpável certamente, nem sequer uma experiência excitante. É algo extremamente simples e profundo. Uma espécie de sensação de pertença que só senti no Egipto mas para isso tive que lá viver quatro meses. Basta sentar-nos ao lado de alguém, com o rabo no cimento sujo e molhado que isto a que me refiro começará a surgir aos poucos - mas é preciso estarem bem atentos... Se só virem sujidade e "miséria" isto de que estou a falar vai passar-vos completamente ao lado... Eles brincam uns com os outros, gozam, provocam-se, conhecem-se tão bem como irmãos... e muitos são mesmo família... acho que a coisa a que me refiro é a facilidade de aceitar um estranho no seu meio. Acho que é isso que verdadeiramente distingue estas pessoas.

Calacha Vs Jiló
 Eu venho carregado de boa disposição mas também trago um tabuleiro de xadrez! Desde a segunda volta às comunidades que tenho dedicado boa parte do meu tempo a ensinar toda a gente (especialmente os mais novos) a jogar xadrez. Faço isto porque acredito que é a melhor forma de evitar que os miúdos queimem o seu tempo a caçar os vizinhos passaritos ao mesmo tempo que os ajuda a puxarem pela cabeça e a formarem planos.




 Não venham a São Tomé sem visitar umas quantas comunidades e quando as visitarem, saiam do carro e falem com as pessoas. Sentem-se um pouco no chão, aceitem um pouco de vinho de palma, sem pressa, leve-leve, sintam o que vos rodeia que prometo que vão aprender alguma coisa e no final vão-se sentir realmente bem com a vossa decisão.