domingo, 12 de agosto de 2012

Destruindo Património Santomense

 O post de hoje é um pouco diferente. Não fala de aventuras, nem dá conselhos de turismo. Tal como o post da Agripalma, procura apenas expor uma realidade injusta. E o pedido de socorro desta vez não parte de mim mas sim de um dos nossos assistentes de campo, o Gabriel, e com ele todos os moradores de Nova Moca. Deixem-me só tecer um enquadramento rápido para que tudo o resto possa fazer algum sentido.

 O Gabriel vive em Nova Moca, a comunidade que está no fim da estrada que liga a capital a Monte Café. Ao contrário de algumas comunidades que vão encolhendo à medida que mais e mais gente se muda para as cidades junto da costa, Nova Moca permanece forte e a crescer. Localizando-se entre a cidade e o Jardim Botânico do Bom Sucesso, e contando com a cascata de São Nicolau ali ao lado, tem todo o potencial para ser um importante foco turístico. Mas não é assim que as coisas se passam.

 Nova Moca foi concedida pelo Governo da República de São Tomé e Príncipe à Sociedade Agrícola Santomense gerida por Claudio Corallo. Sim, o mesmo Claudio Corallo dos chocolates super famosos.
 Na minha mão tenho a cópia da minuta do contrato que foi assinado e ao lê-la deparei-me com bastantes pontos revoltantes. Primeiro, Nova Moca é considerada uma "parcela de terra agrícola" que ele tem que "explorar" - como se não vivessem lá já para cima de cem pessoas. Depois, todo o terreno (uma área de 102,5 hectares), todas as instalações, plantações e equipamentos, tudo foi concedido exclusivamente a Claudio Corallo para exploração livre de quaisquer hipotecas, dívidas ou encargos de qualquer outra natureza. A única coisa que ele tem que fazer é, e passo a citar:

"4.1 - Realizar a exploração agrícola de Nova Moca, com vista a sua reabilitação plena, no que refere à produção agrícola e possivelmente o desenvolvimento da pecuária, da indústria e turismo;
4.2 - Explorar a média empresa [Nova Moca], utilizando-a onde seja possível e rentável sob padrões agrícolas tecnicamente recomendáveis, através da sua força de trabalho e eventualmente, de terceiros;
4.3 - Não permitir a terceiros a ocupação ou apossamento da média empresa;
4.4 - Conservar as terras, preservar o meio ambiente e não proceder ao abate de árvores sem autorização legal;
4.5 - Manter os acessos e as fronteiras da média empresa, limpos e conservados;
4.6 - Pagar regularmente os encargos legais decorrentes deste contrato e da exploração da média mpresa;"4.7 - Manter boa convivência comunitária;
"4.8 - Empregar maioritariamente trabalhadores Santomenses, criando postos de trabalho e favorecendo a política levada a cabo pelo Governo no quadro da reinserção social;"

Claudio Corallo terá também que pagar anualmente uma remuneração de 820 dólares...

 Portanto, lá para o final das obrigações (no ponto 4.7) encontramos a primeira menção aos habitantes de Nova Moca que viram subitamente as suas casas serem tomadas por uma empresa externa sem que tivessem voto na matéria. E o problema é que é justamente neste ponto que Corallo falha. Em vez de respeitar e desenvolver a comunidade através da implementação de obras sociais, parece ver a comunidade apenas como uma fonte de dinheiro rápida e livre de obrigações.
 Por causa do contracto que foi feito, as pessoas de Noca Moca não têm espaço para construir casas novas porque o terreno está todo ocupado. “Assim não há desenvolvimento na comunidade nem há boa relação entre o proprietário e a comunidade.” Diz o Gabriel, que acrescenta que "têm que trabalhar para ele porque se não trabalham, ele ameaça e diz que despeja as pessoas das próprias casas."

 E as coisas assim estão, com conflitos entre ele e as pessoas da comunidade. Já ouvi tantas queixas, (algumas raspando perto demais da escravatura...), que se começasse a enumerá-las nunca mais parava, mas agora que já expus o que se passa na comunidade, vou saltar finalmente para o que motivou este post.

 Em Nova Moca há uma casa absolutamente fantástica. A casa do feitor de Nova Moca:

 Esta casa é um monumento histórico importantíssimo na cultura Sãotomense e se não fosse o esforço do Gabriel com o apoio da associação de moradores de Nova Moca (os Esperançados) ela já tinha sido demolida há muito tempo por ordem de Claudio Corallo.


 Mas o problema é que a casa pertence ao governo e por isso não pode ser demolida sem uma boa razão, mas numa decisão que parece ser apenas mais uma forma de exercer controlo sob a população, Claudio Corallo serviu-se de um documento passado em 2009 pelo anterior Ministro da Agricultura para começar a demolir a casa.
Ambas as fotografias foram tiradas em Outubro de 2011, quando cá cheguei. A cozinha (edifício branco) já caiu e no seu lugar está apenas entulho.
 Há umas duas semanas começaram avisar que iam começar a demolição mas apesar das pessoas da comunidade se revoltarem, a demolição ia avançar.
 Foi aí que o Gabriel se dirigiu à câmara do distrito de Mé-zochi e emitiram imediatamente um mandato para parar a demolição e as coisas acalmaram um pouco... até que começou alguém a dizer depois (sem documento, sem nada) que afinal a câmara autorizava e por isso começaram a destruir a casa como se nada fosse, começando pelo telhado!
 Novamente o Gabriel e a associação de moradores desceu até à cidade (9/8/12) e conseguiu falar com o Ministro do Plano e Desenvolvimento para saber se ele tinha conhecimento da demolição da casa. O Gabriel falou também com a directora da Direcção de Turismo e ela disse que a demolição da casa nunca poderia ser feita assim. Disse que primeiro seria preciso apresentar um projecto porque a casa é uma casa histórica e constitui um património nacional importante que não pode ser destruído por ordem de uma só pessoa. Disse que tem que haver discussão e apresentação de um projecto.
 Ao que parece, o Ministro não sabia e quando tomou conhecimento emitiu o mandato para parar a destruição até ordem do contrário, ou seja, até Claudio Corallo apresentar uma proposta racional que agrade às pessoas que residem em Nova Moca.

 Com isto a demolição parou, por enquanto, mas o mal já foi feito (e ninguém parece assumir a responsabilidade). Parte do telhado já foi destruído e com a época das chuvas que se avizinha, é bem possível que a casa caia sozinha apenas por estar num avançado estado de degradação...

 Toda a informação deste post, incluindo a cópia do contrato, foi-me gentilmente cedida pelo Gabriel por isso só tenho que lhe agradecer por me dar a conhecer tudo isto. Deixo também um obrigado à Associação dos Moradores de Nova Moca: Os Esperançados, porque a esperança é a última a morrer.

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