quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Nova luz sob Boa Esperança

 Regressámos pela quarta vez a Boa Esperança. Como um dos meus botins pegou fogo em S. Miguel e ainda não comprei uns novos, saltei o rio descalço - coisa perfeitamente praticável visto que estamos na gravana e o rio está bem baixo.
 Na entrada da comunidade estavam já as mesmas caras conhecidas que nos receberam tão bem com um grande sorriso. "Está tudo bem, e por aqui?" "Como vai a família?" "Está tudo, né?" E fomos deixar as coisas em casa do Alexandre, o presidente da associação que nos oferece sempre um tecto.
 Os inquéritos começaram num instante, já sei as perguntas de cor: (...) comeu porco? E macaco? Comeu lagaia? Morcego? E pombo? (...) E quando as coisas acalmaram, o mítico xadrez entrou em cena.
Eu contra o Titi (fotografia do Christoph)
 O xadrez tem sempre imenso sucesso e adoro ver os frutos de um esforço que não é esforço nenhum. Basta ensinar duas pessoas, que enquanto elas jogam pela primeira vez, outros estão a seguir o jogo e pouco depois serão esses a jogar e os primeiros transformam-se nos novos professores. É nessa altura que eu dou um passo atrás e observo com um grande sorriso a proliferação e evolução daquilo que ensinei. A torre transforma-se em torro, o bispo converte-se em bicho ou pispo, mas claro que também ocorrem mutações menos boas como as peças ganharem "habilidades" umas das outras. "Não. O peão anda sempre em frente e come assim e assim." É nessas alturas que tenho que esticar o braço no meio da cara de toda a gente e parar a coisa antes que ela seja assimilada como uma jogava válida.
 Algures depois do almoço as coisas acalmam bastante. As mulheres ficam ali a entrançar o cabelo aos filhos e a falar mal do preço disto ou daquilo, ou deste ou daquele. Os bebés choram, as galinhas ladronas entram nas casas, os cães ganem, olho para o céu, as nuvens parecem mais reais, o vento mais pesado. Há pessoas que regressam ao campo, outros vão dormir uma sesta. Quem não pára um segundo são os miúdos, que agora estão todos na comunidade por serem as férias grandes.

Tudo feito à mão com machim super afiado ou serrote. A chapa de metal furada que ele tem na mão serve tanto para martelar como para arrancar pregos.
  Adorei ficar ali simplesmente parado a contemplar o trabalho daqueles dois miúdos. Na altura da fotografia eles ainda estavam a concertar uma avaria qualquer mas lá para o final já tinham metido uns pedais e um assento desenrascados ali na hora! Não dá para ver mas a mota até tem travão de mão do outro lado (uma alavanca que prende a roda do meio!) Acho que gostei tanto de vê-los a solucionar os problemas à medida que eles surgiam como eles gostaram dos comentários sérios eu lhes ia dando. Pela cara deles parecia que não estavam habituados a ouvir um adulto (ou um branco?) a sugerir que metam um encosto ou duas rodas no meio em vez de apenas uma.

 Dantes, quando o Sol se afundava no horizonte e os morcegos saiam da floresta, a única coisa que havia para fazer era ir para casa porque é lá que estão os candeeiros pequeninos oferecidos por Taiwan. Isso mudou. Agora quase todas as comunidades receberam estes fantásticos candeeiros de rua alimentados por painéis solares que carregam uma bateria durante o dia e ficam ligados a noite inteira.
 É muito estranho ver aquelas coisas alienígenas ali, todas brancas e futuristas, brotando do chão degradado mas o impacto positivo que elas causam é imediato! A comunidade está mais acolhedora, as pessoas socializam mais, falam mais, o xadrez ficou até tão tarde que até apareceu um segundo tabuleiro de damas que estava para lá esquecido e toda a comunidade ficou ali a ver os jogadores enfrentarem-se. Claro que se toda a gente se deita mais tarde, também acorda mais tarde, mas isso é outra história.



  Não havia maneira de ter tirado a fotografia acima sem que toda a gente me visse, ou seja, num segundo estava a fotografar candeeiros frios e sem graça, no segundo seguinte estava a fotografar autênticos modelos  cheios de energia! Toda a gente a gritar pelo meu nome e a pedir uma fotografia, e como eu também não dizia que não, a sessão continuou apesar de eu dizer que de dia seria melhor. Ainda bem que tirei bastantes fotografias naquela noite porque no dia seguinte acabei por não fotografar coisa nenhuma, as pessoas estavam quase todas fora e quem estava no quintal não me pareceu que queria ser fotografado. Deve ser efeito da noite. As pessoas perdem a vergonha.
 A quarta ronda das comunidades assinala o fim da minha estadia aqui por São Tomé por isso foi com alguma tristeza e estranheza que sai sem dizer adeus. "Até qualquer dia..." Disse por fim, enquanto me afastava sem olhar para trás. Dantes, há muito tempo, quando me perguntavam quando regressaria a Portugal eu dizia sempre que ainda faltava, lá para Outubro, ainda tenho muito tempo. Parece que essa data, seja ela qual for, está já a aproximar-se a passos largos...


1 comentários:

  1. Então filho, que nostalgia é essa? e nós não merecemos o teu regresso?? Esperamos-te ansiosamente com o maior abraço do mundo, isso podes crer!

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