domingo, 10 de junho de 2012

Entre música alta e uma bananeira pesada


 Saídos de Amparo passámos por Colónia Açoriana, sempre acenando e sorrindo a quem passava pelas bermas, ouvindo uns quantos “brrranco e doce doce” pelo caminho, até que chegámos à estrada nacional que teríamos que descer para poder voltar a subir pouco depois e regressar às profundezas da floresta. A próxima comunidade esperava-nos.

 Mendes da Silva é das minhas comunidades favoritas por causa das pessoas que são excepcionalmente simpáticas e atenciosas. Isto acaba por reflectir-se na comunidade em si. Por enquanto é a única que visitei que tem as casas pintadas e os caminhos limpos.
 Seguindo as regras da boa educação, fomos cumprimentar toda a gente quando chegámos e enquanto apertava a mão ao Tá, ele disse-me que a “bananeira onde eu tinha dormido estava toda parida” ao que eu respondi que “então acho que as bananas devem ser minhas filhas.”

 Da última vez que lá fui fiz uma apresentação com o objectivo de sensibilizar o pessoal para as questões ambientais e no meio de tantas caras houve alguém que se destacou e ficou bem entranhado na minha memória. O senhor chama-se Nené e autoentitula-se o Dono da Floresta! Mas atenção que ele diz isto com um grande sorriso na cara, completamente na brincadeira, totalmente diferente dos poucos que já apanhei por aí e que pintam o mesmo título com uma tinta muito amarga e irresponsável. O Nené não é nada assim.
 Mal o vi comecei logo a picá-lo e ele reagiu:
 - Quanto estiveres na floresta grita pelo meu nome, que eu estarei lá!
 Achei a frase imensamente potente, verdade seja dita.

 Da última vez que estive lá houve também uma senhora que me pediu uma placa para meter no quiosque dela.
- Com uma frase bonita. - Pediu ela por entre um sorriso.
 Eu escapei-me muito agilmente ao pedido com as técnicas do costume mas depois ela fez um xeque-mate bem habilidoso.
- Então escreve só uma frase bonita p’ra mim.
 Uma frase bonita, pensei eu, isso não custa dinheiro e parece um desafio dirigido ao meu bixinho escritor. Lá acabei por aceitar!
 Mas que má ideia… o que raio se escreve para um senhora sobre o qual sabemos pouco ou nada!? Uma frase para decorar um quiosque que nem sequer existe e também não sabemos o que irá vender, se óleo de fritar ou bebidas. A verdade é que fiquei a moer o assunto até anteontem, o dia em que voltei encará-la. Felizmente que quando entrei na comunidade vi que o quiosque já estava montado e bem apetrechado com imensa coisa (leite Mimosa!?) e já estava decorado com uns pechisbeques de plástico. A senhora não me voltou a pedir mais nada e eu agradeci silenciosamente a sua decisão.
Aula de xadrez
  À noite, depois de entrevistar o último senhor à luz das velas (e do frontal – não se via nada) descemos até às casas da comunidade que estão mais a baixo, junto à escola. A música já se ouvia muito antes de vermos a casa e quando nos aproximámos começámos a ouvir o ruído do gerador, também ele bastante impressionante. Entrámos dentro da casa onde seria o jantar e fomos recebidos com uma barulheira absolutamente destruidora. A sala era de madeira, acolhedora e pequenina, mas estava apinhada de gente e tinha uma televisão a passar o jogo entre a Rússia e a Republica Checa, mas o que realmente chamava atenção eram as duas colunas gigantescas com luzes de discoteca! O volume era ridículo e quando me sentei um rapaz que estava mais perto das colunas ainda teve a péssima ideia de se pôr de pé para rodar o volume até não dar mais. Estavam agora no máximo. Só posso dizer que comer esparguete super picante enquanto somos esbofeteados por um barulho tão ensurdecedor que temos que gritar para a pessoa que está ao nosso lado é uma experiência verdadeiramente atordoadora. A única altura em que podíamos respirar era quando uma música acabava, as luzes da casa aumentavam subitamente (por causa da súbita disponibilidade de potência vinda do gerador) e a próxima música começava. Os meus ouvidos já estavam a apitar, o jogo de futebol não fazia sentido nenhum e estava cheio de sono por isso fiz um pouco de linguagem gestual a assinalar a minha decisão de ir dormir, e assim fui.
 O amoque tinha sido montado entre duas bananeiras o que nunca é uma decisão sensata porque aquelas coisas são tão resistentes como ervas gigantes e não têm um tronco duro mas como já tinha feito a mesma aposta infeliz da outra vez e não tinha acontecido nada de mal, voltei a montá-lo no mesmo sítio. Apaguei a luz do frontal, meti os tampões nos ouvidos, sentei-me primeiro para testar, nada de muito alarmante, elas dobraram-se um pouco, era o esperado, descalcei-me, arranjei o saco-cama, mas quando me deitei para trás só senti as costas a baterem no chão com um som abafado e uma bananeira enorme a cair-me em cima! Várias asneiras passaram-me pela cabeça enquanto tentava a todo o custo serpentear para fora do amoque e recuperar a minha dignidade.
 A porta da casa do Tá bateu uma segunda vez e quando entrei tive que elaborar mais linguagem gestual para expressar o acto ou efeito de levar com uma bananeira em cima da cabeça. Não foi fácil mas depois de a mensagem chegar, todos se riram e levantaram-se para ir ver o palco de destruição onde tudo se tinha passado. Como o dono da bananeira não parecia muito chateado e disse que iam já aproveitar as bananas eu fiquei mais descansado e com a ajuda do Nity lá voltámos a montar o amoque, desta vez, entre uma bananeira e uma árvore que estava no quintal do lado.

 No dia seguinte o despertador acordou às 5:00 e enquanto eu me contorcia para conseguir sair do ninho e dessa forma accionava o alarme dos cães todos das redondezas, os outros também se levantavam e preparavam para o trabalho.
 A contagem de aves correu bem mas notei um decréscimo estranho nos números. Simplesmente não se ouvia tantas espécies como seriam esperadas...
Ocá - É destas árvores que são feitas as canoas que se vêem na costa

1 comentários:

  1. Bom, na minha ignorância, não consigo imaginar o que deve ser levar com uma bananeira na face, mas deduzo que não é agradável :P

    Mas hey, podes usar isso para impressionar os ignorantes como eu: "Epá, eu sobrevivi a uma queda de uma bananeira!" :P

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